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ZCOR – Um respiro de mobilidade para as ZER

Está em discussão na Câmara Municipal de São Paulo a Lei de Zoneamento Uso e Ocupação do Solo da cidade. Além de fundamental para a organização e desenvolvimento da cidade, bem como para a proteção do meio ambiente e redução das desigualdades espaciais da cidade, o resultado da lei incidirá diretamente na estrutura da mobilidade da Capital.

Já falamos neste texto – “Mobilidade e Zoneamento” – como o uso do solo incide diretamente na organização das redes de mobilidade de qualquer cidade, e agora iremos destacar alguns dos pontos da atual lei em discussão na Câmara e seus  impactos na cidade de São Paulo, começando pelas Zonas Corredor.

As ZCOR

As ZCOR são as Zonas Corredor e para entendê-las é preciso antes entender as zonas nas quais elas serão inseridas: as ZER – Zonas Exclusivamente Residenciais, que os paulistanos mais antigos chamam de Z1.

 As ZER são resultado de loteamentos criados em meados do século XX, seguindo os modelos de bairros suburbanos norte americanos, casas térreas grandes, quadras grandes e não ortogonais, e nenhum ou poucos comércios e serviços. Na época em que estes bairros foram criados, regiões como Morumbi, Alto de Pinheiros e Jardim da Saúde estavam nas bordas da cidade, conforme o modelo suburbano americano preconizava. Com o crescimento vertiginoso e desestruturado de São Paulo nas décadas seguintes, estes bairros tiveram sua estrutura mantida, mas foram circundados pela megalópole e tomados pelo crescente trânsito de veículos.

Os resultados deste processo para a cidade são assunto para outro texto. O que nos interessa neste momento é que internamente as ZER se tornaram altamente dependentes dos carros, pela ausência de atividades econômicas no seu interior, e recebem um alto fluxo de veículos de passagens entre as regiões vizinhas da cidade.

Ou seja, o ideal de bairro tranquilo, bucólico e calmo acabou prejudicado pela alta dependência do carro, sem alternativas de ônibus ou possivelmente outros transportes coletivos de menor impacto, e com um trânsito de veículos que varia do incômodo congestionamento ao perigo das altas velocidades dos motoristas pelas ruas esvaziadas fora do horário de pico, além de se tornar estacionamento de bairros vizinhos.

Sim, os problemas relacionados à má distribuição de atividades comerciais pela cidade, trânsito e altas velocidades podem ser encontrados em diversas áreas de São Paulo, e o trânsito de passagem nas ZER não é um problema da região, mas sim da estrutura e mobilidade da cidade. Mas, assim como outras ações e leis visam aliviar estes problemas em outras regiões da cidade, as ZCOR vêm ajudar a resolver alguns destes problemas dentro das ZER.

Dispersar, em vias específicas, pequenos comércios, serviços ou outras atividades de interesse da população dentro de um bairro residencial visa eliminar a necessidade do morador de realizar grandes distâncias para satisfazer tal necessidade. As ZCOR definidas no Artigo 10 do PL 272/15, em conjunto com os artigos 87 a 91, delimitam o tamanho, usos e limitações das atividades que visam atender a essa lógica de baixíssimo impacto. É importante ressaltar que a legislação é clara quanto a manutenção dos padrões construtivos iguais ao das residências das ZER, ou seja, não serão construídos prédios, apenas serão mantidas as construções térreas, porém com usos de pequenos comércios.

O “respiro” para a mobilidade vem desta nova lógica que contempla pequenas atividades atendendo regiões mais específicas, com consumidores próximos que contam com uma maior variedade de modais para se deslocar às suas atividades, e principalmente modais mais viáveis para a cidade, como: a pé, de carona, micro-ônibus circular ou até bicicleta. A proximidade e a praticidade permitem, por exemplo, compras menores e mais frequentes. Esta possibilidade inverte a lógica predominante de mega-empreendimentos  com estacionamentos gigantes, recebendo consumidores motorizados de extensas regiões da cidade e que abastecem seus carros com compras enormes.

  • Veja o Redator do projeto de Lei do Zoneamento – Vereador Paulo Frange discutindo as ZCOR – aqui
  • Veja esta detalhada apresentação sobre ZCOR feita na Câmara em Junho  – aqui

Embora seja difícil imaginar outra realidade, esta mudança de mentalidade já vem acontecendo mesmo antes da aprovação da lei de zoneamento, porém principalmente fora das ZERs (‘principalmente’ porque hoje já existem alguns corredores derivados de legislações anteriores).  Grandes marcas de supermercados vêm lançando redes de pequenos estabelecimentos para penetrar no interior dos bairros, com nomes como “Mini Mercado”, “Express” e “Minuto”. São lojas menores e sem vagas de estacionamento, realmente focadas no consumidor que mora perto da unidade. Por outro lado, também se nota o aumento de pequenos restaurantes, seguindo a mesma tendência, como se pode ver nesta reportagem do Valor Econômico.

Outro aspecto importante da ZCOR, é que assim como as legislações anteriores de Corredor, elas são implantadas nas principais vias do bairro, aquelas em geral com mais tráfego e mais movimento, onde boa parte dos imóveis não são atrativos para moradia, e muitos ficam até abandonados. Com a ampliação dos tipos de uso, esses imóveis ficaram atrativos e ocupados.

Neste sentido fica claro que não se trata de uma transformação ou da destruição de um bairro estabelecido, tampouco da transformação do bairro em uma Zona Mista. Trata-se sim de uma abertura de possibilidades aos moradores dos próprios bairros residenciais – que inclusive timidamente já existe. Possibilidade de terem serviços mais próximos às suas residências, sem perder as características dos bairros que tanto gostam, possibilidade de andarem mais pelos seus bairros, de se encontrarem mais com seus vizinhos e de aproveitarem mais a cidade.